Integração entre biotecnologia e saber tradicional fortalece a conservação dos manguezais brasileiros

O retrato mais completo já feito sobre os manguezais brasileiros foi apresentado em um estudo publicado na revista Science of the Total Environment. A investigação mostra como microrganismos, biotecnologia e ferramentas digitais de monitoramento, aliados ao conhecimento das comunidades tradicionais, estão impulsionando estratégias inovadoras para a conservação desses ecossistemas, fundamentais no combate às mudanças climáticas.

O Brasil é o segundo país do mundo em cobertura de manguezais, atrás apenas da Indonésia, consolidando-se como um dos maiores guardiões desse ecossistema. Apesar de 87% dessas áreas estarem protegidas por lei, só 40% contam com planos de gestão efetivos. Enquanto isso, a urbanização desordenada, a expansão da carcinicultura e a poluição por esgoto e petróleo seguem como ameaças graves à integridade desses ambientes.

“Embora os manguezais brasileiros não sofram degradação tão acelerada quanto em outras regiões, eles seguem sob forte pressão humana. Não são depósitos de lixo, mas ecossistemas essenciais para a biodiversidade marinha e a subsistência de milhares de pessoas. Além disso, muitos já apresentam fragmentação, o que reforça a urgência de ações contínuas de proteção e recuperação”, alerta João Amaral, primeiro autor do estudo e doutorando em Biotecnologia Vegetal e Bioprocessos na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

É nesse cenário que tecnologias aplicadas à conservação despontam como aliadas. As biotecnologias microbianas — comparáveis aos probióticos usados para recompor a flora intestinal humana — estão sendo aplicadas para estimular o crescimento das plantas de mangue. Esses microrganismos invisíveis ajudam as árvores a crescerem mais fortes, aumentam a resistência das florestas a doenças e eventos extremos e ainda aceleram a degradação de poluentes como esgoto, petróleo, metais pesados e plástico.

O artigo aponta ainda para o uso das chamadas tecnologias ômicas, como a genômica e a metagenômica, capazes de decifrar os genes ocultos das plantas e identificar os microrganismos-chave para sua sobrevivência.

“Esse tipo de mapeamento ajuda a prever como os ecossistemas vão reagir às mudanças climáticas e orienta estratégias mais precisas de conservação. Sensores e plataformas digitais de monitoramento em tempo real ainda fornecem dados valiosos para políticas públicas eficazes e projetos de restauração de longo prazo”, conta Luiz Gomes, coautor do estudo e especialista em Carbono Azul na OceanPact.

Além disso, Luiz Gomes ressalta que o “manguezal carrega oportunidades concretas de inovação da copa das árvores à lama do solo” ao citar que já foram desenvolvidas nanotecnologias, a partir do tanino extraído da casca e das folhas do mangue.

“Este estudo integra aspectos legais, estado de conservação, práticas de restauração, serviços ecossistêmicos e potencial biotecnológico. É um marco que fortalece políticas públicas e aponta caminhos para a biotecnologia ambiental”, conta Sylvia Alqueres, coautora do estudo e especialista em novos negócios azuis na OceanPact.

Carbono Azul

Reconhecidos como verdadeiros ecossistemas detentores de carbono azul, os manguezais armazenam as maiores quantidades de carbono e desempenham um papel essencial no combate ao aquecimento global. Além disso, funcionam como barreiras naturais contra eventos climáticos extremos e garantem o sustento de milhares de famílias costeiras, com um profundo significado cultural para essas comunidades.

“Os mercados de carbono e de biodiversidade despontam como uma oportunidade promissora para financiar projetos de restauração em larga escala, desde que sejam criados métodos confiáveis para medir e certificar os resultados”, destacam os membros da OceanPact e Andrew Macrae, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Ciência e comunidades lado a lado

Um dos maiores diferenciais do estudo é mostrar que a recuperação dos manguezais não depende apenas da ciência de ponta, mas também do conhecimento tradicional das comunidades costeiras. No Brasil, pescadores, organizações da sociedade civil e centros de pesquisa vêm atuando juntos para conservar e restaurar esses ecossistemas vitais.

Apesar de resilientes, os manguezais não se recuperam sozinhos na velocidade necessária. Por isso, uma das estratégias mais eficazes é o plantio ativo de mudas, que acelera a regeneração das áreas degradadas.

A Baía de Guanabara, uma das mais importantes baías brasileiras, é um exemplo emblemático. Depois de perder grande parte de sua cobertura original para a urbanização desordenada, foi ali que surgiu, em 1984, a primeira Área de Proteção Ambiental (APA) de manguezais do Brasil: a APA de Guapimirim. Desde então, a região tornou-se símbolo da luta pela conservação desse ecossistema.

É nesse território que a ONG Guardiões do Mar, referência nacional na restauração de manguezais, desenvolve o projeto Sou do Mangue. No seu histórico, a organização restaurou 43 hectares de manguezais. Entre 2020 e 2023, a iniciativa superou sua meta inicial, plantando mais de 126 mil mudas com uma taxa de sobrevivência de 91%. Além dos resultados concretos, o projeto deixou como legado um manual de práticas de restauração, hoje utilizado como referência científica.

O guia aponta três fatores decisivos para o sucesso da restauração: conhecer o terreno e a dinâmica da água, respeitar as espécies locais e garantir o acompanhamento contínuo das mudas. Soma-se a isso o papel vital das comunidades tradicionais, que com sua tecnologia social de transplantio não apenas fortalecem o processo, mas também transformam a restauração em oportunidade de renda, valorização cultural e até de turismo de base comunitária.

Raízes do amanhã

A trajetória do pescador Alaildo Malafaia, hoje presidente da Cooperativa Manguezal Fluminense, mostra como a ciência e o conhecimento tradicional se complementam. Com mais de três décadas de experiência na Baía de Guanabara, ele aprendeu que plântulas retiradas debaixo da planta-mãe sobreviviam melhor do que mudas de viveiro — um saber empírico que hoje orienta práticas de restauração. “Crédito de carbono é uma invenção da academia para dar nome a algo que a natureza já faz. Quando eu era pescador, vivia do recurso natural. Agora trabalho para perpetuar sua existência”, resume.

Agora, pesquisadores e a Guardiões do Mar se preparam para uma nova etapa com o lançamento do MangueLab, projeto liderado pela OceanPact em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A iniciativa une a tecnologia social de transplante de mangue, já consolidada pela ONG, ao uso inovador de microrganismos benéficos desenvolvidos em laboratório. A expectativa é ampliar as taxas de sucesso da restauração e potencializar a captura de carbono. Até 2027, a organização pretende recuperar 22 hectares de manguezais em um território quilombola localizado em Magé, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Restaurar manguezais não significa apenas salvar a biodiversidade. É também garantir benefícios globais: mitigar a crise climática, gerar novas oportunidades econômicas, fortalecer a segurança alimentar e valorizar culturas tradicionais.

Com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a experiência brasileira desponta como referência global, mostrando como ciência e comunidades, lado a lado, podem fincar as raízes de um amanhã sustentável. Parceira oficial da Década da Restauração de Ecossistemas da ONU, a ONG Guardiões do Mar integra esse movimento global de regeneração alinhando suas iniciativas a Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como Ação Climática, Vida na Água e na Terra, Cidades Sustentáveis e Parcerias para o Futuro.

Referências: 

Amaral, J. R. V., et al. (2025). Brazilian mangroves: Status, threats, restoration, and prospects for blue carbon conservation. Science of the Total Environment, 1001, 180517. https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2025.180517 

Rodrigues, G. de A. (2024). Health, Safety and Environmental Practices (HSE) in a mangrove forest restoration project in Guanabara Bay – RJ. In Approaches to Environmental, Social and Corporate Governance (pp. 50–74). Brazilian Journals Publications. https://doi.org/10.35587/brj.ed.978-65-6016-045-3_4

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