Levantamento realizado pelo projeto Cazul com apoio da Fundação Grupo Boticário atualiza informações sobre o estoque de CO2 nos manguezais brasileiros e traz cálculo inédito sobre o valor do Carbono Azul nesse ecossistema
Os manguezais do Brasil armazenam 1,9 bilhão de toneladas de dióxido de carbono (CO2), o que representa um potencial para render ao menos R$ 48,9 bilhões em crédito de carbono, conforme o praticado no mercado voluntário brasileiro. Com a regulamentação do mercado, o valor pode chegar a até R$ 1,067 trilhão, estimulando a transição para uma economia de baixo carbono.
Os cálculos fazem parte do estudo inédito “Oceano sem Mistérios: Carbono azul dos manguezais”, realizado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e pelo projeto Cazul, desenvolvido pela ONG Guardiões do Mar, do Rio de Janeiro. A publicação será lançada no dia 24 de outubro, durante a programação oficial da 16ª Conferência de Biodiversidade da ONU (COP 16), realizada em Cali, na Colômbia.
O estudo, o primeiro nessa escala a calcular e valorar a capacidade de sequestro de carbono pelos manguezais no Brasil, identificou a presença de 1.390.664 hectares de manguezais ao longo da costa brasileira – área equivalente a nove cidades de São Paulo ou 11 cidades do Rio de Janeiro. “Os manguezais possuem extraordinário potencial de retenção de carbono, o que pode ser convertido em renda em um mundo que precisa ser descarbonizado para minimizar e se adaptar aos efeitos das mudanças climáticas. Mas, além disso, esse ecossistema desempenha importante papel no equilíbrio ecológico, na proteção costeira, na manutenção de estoques pesqueiros e em atividades econômicas, como a pesca e o turismo”, afirma a diretora executiva da Fundação Grupo Boticário, Malu Nunes.
No mercado voluntário brasileiro, a tonelada de CO2 já foi negociada a R$ 25,85, considerando a cotação de R$ 5,62 para cada dólar. Entretanto, a valoração pode chegar ao patamar de R$ 562,00 por tonelada em um cenário de transição para uma economia de baixo carbono. Além disso, considerando o aumento médio anual de 2,9 milhões de toneladas do estoque de carbono azul no Brasil, com base na precificação do mercado voluntário, os pesquisadores estimam um incremento de R$ 75,2 milhões a cada ano. Valor que pode chegar a R$ 1,6 bilhão anuais diante de uma precificação potencial.
Os pesquisadores ressaltam que esse crescimento médio foi o comportamento verificado nos últimos 27 anos, mas ele não é linear. É preciso colocar em perspectiva para projetar o futuro. O sequestro de carbono pela vegetação tende a ser maior em vegetações novas ou em fase de regeneração. À medida que as plantas amadurecem, essa capacidade se estabiliza, reduzindo o potencial de absorção.O trabalho identificou e atualizou informações sobre as áreas de manguezal no Brasil por meio da interpretação visual e classificação automática de imagens de satélite, partindo de uma base de dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de 2018. “Com imagens temporais da plataforma Google Earth Engine traçamos parâmetros para avaliar o estado de conservação das áreas e o índice de vegetação associado para auxiliar nos cálculos de estoque de carbono, entendendo a quantidade de dióxido de carbono que é acumulado em cada estrutura das florestas de manguezal”, explica Laís de Oliveira, líder executiva do projeto Cazul, uma das responsáveis pelo estudo. “Para chegar ao valor, analisamos a viabilidade econômica dos estoques e as práticas adotadas, traçando dois cenários para a valoração: um relacionado à prática atual e outro relacionado com o que espera-se do mercado de carbono em um mundo em transformação climática e que requer novos estímulos para ações práticas”, completa.
Laís de Oliveira, líder executiva do projeto Cazul. — Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Realidade brasileira
O Brasil, que possui a segunda maior extensão de manguezais do planeta, conta com a maior faixa contínua do ecossistema no mundo, localizada na costa Amazônica. Apesar de representar uma grande proporção em relação a outros países, esses ecossistemas ocupam apenas 0,13% do território brasileiro. Estima-se que cerca de 25% da vegetação original dos manguezais do país já foi perdida.
“A partir do conhecimento gerado neste estudo, esperamos inspirar ações concretas a favor da proteção e conservação desse ecossistema costeiro-marinho vital para a saúde do planeta e de suas comunidades. Políticas e planos de adaptação às mudanças do clima, gestão de riscos e desenvolvimento costeiro devem incluir medidas para proteger, conservar e restaurar manguezais. Essas ações merecem a atenção de tomadores de decisão, iniciativa privada e de toda a sociedade”, frisa Malu.
O estudo identificou que os manguezais estão presentes em 300 municípios brasileiros – principalmente nas regiões Norte e Nordeste, especialmente no Pará, Maranhão e Amapá -; concentrando 40 milhões de pessoas. Em relação aos biomas, 75% estão conectados com a Amazônia, 18% com a Mata Atlântica, 5% com o Cerrado e 2% com a Caatinga.
Colhereiro: ave de plumagem rosa na APA de Guapimirim, no Rio de Janeiro. — Foto: Rodrigo Campanário/ Guardiões do Mar
Principais ameaças
De acordo com o relatório O Estado dos Manguezais do Mundo 2022, em um período de 24 anos, de 1996 a 2020, o mundo perdeu 5.245 quilômetros quadrados de manguezais, área equivalente a sete cidades de Nova Iorque (EUA) ou o tamanho do Distrito Federal (Brasil). Foi de 152.604 para 147.359 quilômetros quadrados. Estima-se que 60% das perdas de manguezais foram ocasionadas por ações humanas.
As principais causas são a produção de commodities na aquicultura e agricultura, alterando áreas de manguezal para cultivar camarões, peixes, arroz e palma; o desmatamento para extração de carvão vegetal e madeira; o desenvolvimento urbano, com construções indevidas em áreas de manguezal; técnicas predatórias de pesca, como a pesca de arrasto e sem respeitar períodos de defeso das espécies; a poluição provocada por resíduos químicos, agrotóxicos, derramamentos de óleo, lixo e esgoto; o aumento do nível do mar e outras influências relacionadas às mudanças do clima.Apenas cinco países concentram cerca de 50% das áreas de manguezais do mundo: Indonésia (20% do total), Brasil (8%), México (7%), Austrália (7%) e Nigéria (6%). No mundo, os manguezais estocam 22,86 bilhões de toneladas de CO2, segundo a Global Mangrove Alliance.
Soluções e serviços oferecidos pelos manguezais
Berçário para a vida marinha em meio à intrincada rede de raízes aéreas e submersas e ambiente rico em nutrientes. ⇒ Manutenção de estoques pesqueiros ⇒ Potencial Econômico + Renda para comunidades locais + Segurança alimentar
Suporte à biodiversidade e ao equilíbrio ecológico, oferecendo ambiente de descanso, alimentação e reprodução para diversos animais, como aves e mamíferos.
Filtros naturais, com raízes que impedem a chegada de resíduos ao mar aberto, favorecendo a qualidade da água em regiões próximas e a saúde de outros ecossistemas, como os recifes de corais.
Engenheiros ecossistêmicos na proteção e resiliência de comunidades costeiras e da infraestrutura urbana contra a erosão costeira, o avanço do mar e a intrusão salina (entrada de água salgada em ambientes de água doce), além de elevar o nível do solo com a retenção de sedimentos, podendo acompanhar o aumento do nível do mar em algumas ocasiões.
US$ 65 bilhões em danos patrimoniais evitados todos os anos no mundo com a atuação dos manguezais. (Fonte: Global Mangrove Alliance)
Amortecedores da força e altura das ondas, marés, ventos e tempestades, servindo como obstáculo e uma primeira linha de defesa contra inundações.
100 metros de floresta reduzem a energia da onda em dois terços
15 milhões de pessoas no mundo são beneficiadas pela redução no risco de inundações oferecida pelos manguezais.
Estoque de Carbono Azul, com maior retenção de carbono no solo pobre em oxigênio e em sua estrutura devido à desaceleração do processo de decomposição.
Conexão cultural, com saberes ancestrais mantidos por povos tradicionais (ribeirinhos, pescadores, catadores de caranguejo, indígenas e quilombolas). Inspiração para festividades, religiosidade, gastronomia, folclore, trabalho e economia. Destaque para o movimento músico-cultural manguebeat pernambucano; as festividades dos quilombos do Maranhão; o festival da pesca do caranguejo na Ilha de Marajó, no Pará; os cultos à Iemanjá e Nanã no candomblé e na umbanda; entre outros.
Acesse plataformacazul.com.br e confira os resultados e o Mapa Interativo do estudo.